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segunda-feira, 21 de maio de 2012

AMÉRICA LATINA: TENSÕES, ENCONTRO-DESENCONTRO CULTURAL

A Espanha no século XV havia expulsado os mouros da península ibérica e se encontrava num período relativamente de paz, sem guerras, por isso passou a buscar realizar o processo de expansão comercial.

Os espanhóis ao chegarem à América tiveram uma visão etnocêntrica e olhou as sociedades nativas como inferiores à sua, sem qualquer humanidade e assim passíveis de serem escravizadas.

Essa visão é descrita da seguinte forma nas palavras do frei dominicano Tomaz Ortiz dirigidas ao Conselho das Índias (in Todorov, 1991, p. 148):

“Comem carne humana na terra firme. São sodomitas mais do qualquer outra nação. Não há justiça entre eles. Andam completamente nus. Não respeitam o amor nem a virgindade; são inconstantes. Não fazem idéia do que seja a providência. São muito ingratos e amantes das novidades (...) São brutais. Não há entre eles nenhuma obediência. São incapazes de receber lições. Os castigos de nada adiantam (...) Quando se lhes ensinam os mistérios da religião, dizem que essas coisas convêm aos castelhanos, mas não valem nada para eles e que não querem mudar seus costumes. (...) Os índios são mais idiotas do que os asnos e não querem fazer esforço no que quer que seja.”

A partir deste grande “encontro” cultural, houve dois efeitos:

(1) O estranhamento, por parte de ambas as culturas, que viam a outra como algo extraordinário e incompreensível. Os espanhóis encararam a cultura indígena como algo bárbaro e não-humano, enquanto os nativos confundem os espanhóis com as lendas que contam sobre os fins dos tempos ou de deuses da destruição que desceriam à terra. Desse primeiro contato se seguiu o domínio espanhol, com muitas mortes de nativos, seja por batalhas, seja por doenças.

(2) O tempo original do mundo nativo desapareceu para sempre, seus ídolos foram destruídos e os tesouros esquecidos, soterrados sob os escombros de igrejas cristãs e palácios coloniais. Todas as sociedades indígenas das Américas eram civilizações jovens e criativas, a conquista espanhola deteve este crescimento e as deixou com um legado de tristeza.

América Latina no século XIX, após as independências e século XX.

Aníbal Quijano aborda a discussão sobre a identidade latino-americana fala sobre a relação entre colonialismo e modernidade. Usando o personagem de Don Quixote para falar dos momentos que antecede a conquista da América com a expulsão dos Arabes e Judeus. O autor mostra que desde o inicio há uma relação de poder no projeto colonial que é a imposição da cultura dominante e um sistema de exploração como tributação exarcebada mantida pela violência mantida pelos colonizadores.

A ideia de raça foi usada para legitimar toda a produção histórica da América latina, a partir daí a identidade latino americana passou a ser um território de conflitos que foi se aprofundando até criar uma cisão entre o europeu e o não-europeu. O continente latino americano continua prisioneiro da colonização, isso ocorre também pelo fato de não querer se arriscar a aproveitar a configuração do novo mundo como efeito da crise global do periodo da colonização até a modernidade.

Eduardo Galeano no livro Veias abertas da américa Latina faz um diagnóstico da situação da América Latina:

“É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. (p.5).

No século XXI é preciso entender os desafios do continente, Otávio Ianni tenta compreender recuperando as questões presentes nas raizes da cultura latino America ao longo dos cinco séculos de sua história. Nesse caminho, o autor faz uma sintese passando pelas diferentes dicussões sobre a identidade latino-americana desde sua genese no periodo colonial, passando pelo imperialismom até o momento da globalização na atualidade.
Otavio Ianni ressalta que o continente Latino americano se configura numa realidade geo-histórica, politico-economica e socio-cultural complexa, marcada pela heterogenidade e paradoxal, ao mesmo tempo em que recebeu inumeras denominaçções para ele ainda subsiste a impressão de que o pensamento em suas diferentes modalidades não aprende o que realmente está ocorrendo, sobre os dilemas cruciais da América latina.

Segundo o autor a América latina mais parece um laboratório, visto como modo de produção e processo civilizatório; sempre em nome da “evolução”, “progresso”, “desenvolvimento”, “crescimento”, “emergência”, “racionalização”, “modernização”, “europeização”, “americanização”.

A metafora do espelho

A figura do espelho é uma metafora usada para mostrar a posição do latino americano frente aos paises colonizadores, a visão que o povo tem de si mesmo que é vista como “reflexo” no espelho, não tem uma criação própria, uma identidade criada a partir das reflexões com a sua realidade, somente consegue ver-se no reflexo do espelho dos outros, ibéricos, franceses, ingleses, norte-americanos.

A metáfora “espelho de Próspero” de José Enrique Rodo no início do século 20 faz uma alusão à “Próspero, conquistador e colonizador, europeu ou norte-americano, no contraponto com Caliban, transfiguração de canibal, nativo, conquistado, colonizado”.

Na literatura há reflexo como no livro “A Guerra do Fim do Mundo” de Mário Vargas Llosa, que escreve na perspectiva do fazendeiro, uma abordagem anacrônica e abstrata, alheia ao universo social humano. O livro “Os sertões” de Euclides da cunha, em contraposição é escrito na perspectiva dos que vivem e sonham com uma utopia um mundo com uma realidade que gostariam de viver.

Visão trágica da vida, da sociedade e da história

Segundo Aníbal Pinto e Osvaldo Sunkel 1966, pp. 107-20:

“Desde os tempos do colonialismo, atravessando o imperialismo e entrando pelo globalismo, são muitos os que se dedicam às sombras do poder, explicando, racionalizando, ideologizando, ou seja, contribuindo para que se modifiquem algumas diretrizes e práticas, de modo que nada se transforme. São figurações do arielismo, trabalhando sempre no espelho do europeísmo ou do americanismo, esquecendo ou menosprezando as condições e as potencialidades que se criam e recriam em cada uma e todas as sociedades nacionais latino-americanas”.

Há na América latina e caribe um sentimento de inquietação, incerteza e ilusão, na observação de Ianni:

“De vez em quando, no cotidiano deindivíduos e coletividades, irrompe a aflição, algo imponderável, inquietante. Quando tudo parece caminhar normal, ainda que precariamente, de repente abala-se, desaba, deslocandolugares, raízes, ilusões”. Para Ianni isso é mais ou menos periódico, como se acontecessem num movimento ciclico, as pessoas e ideias parecem mover-se deslocando, soltando as raizes e uma sensação de ser atingido por um terremoto.

Isso pode ser visto nas produções cientificas, intelectuais e artísticas que revelam esse estado de espirito e inquietação produzida pela incerteza:  “Algo estranho e inquietante, impregnando relações e modos de ser, a realidade e o imaginário de uns e outros, em diferentes nações, no continente, ilhas e arquipélagos”.

Essse sentimento da vida individual e coletiva tem sido ventilado por pensadores e artistas de destaque em seus respectivos paises da américa latina, e há tendências que evidenciam essas inquietações de três formas:

(1) A busca por alternativas, como uma notavel mobilização dos latinos americanos e caribenhos que se manifestam ativos e até mesmo combativos contra o anti-globalismo.

(2) Sobressaem-se tendências comunitaristas como mobilizações que se empenham em recriar as bases socio-culturais, tanto politicas e econômicas quanto ideológicas, além do sentimento nostálgico produzido pelo desejo de um mundo mais transparente, produto de uma mescla entre utopia e nostalgia.

(3) Há uma perceptiva e crescente mobilização no sentido de conscientização para promover uma globalização desde baixo.

À medida que cresce a percepção tanto na América latina como no caribe que as relações e os processos da globalização são responsaveis pela dominação e apropriação, há uma consciência cada vez mais critica e desejo de mudança em transformar as condições politico-economica, socioculturais e morais instituidas na história pela ideologia neoliberal.

Há uma fecundação de um neo-socialismo com suas raizes e perspectivas metodologicas da historiografia marxista.

Exemplo de um produto cultural que tenha estas visões

Um exemplo cultural da visão pessimista é o fato de que devido a herança colonizadora, o latino americano não se vê como o protagonista da sua história, pode-se perceber essa auto avaliação pelo fato de que a grande realização da maioria dos brasileiros é ter um emprego com carteira assinada, legitimar a sua dependência, a busca por uma “segurança” onde essa significa a subserviência aos seus patrões.

A mentalidade Européia (colonizadora) é justamente oposta, os imigrantes que chegam à América latina buscam ter o seu próprio negócio, nunca ficar subjugado ao domino de outro, como é o caso do latino americano (o brasileiro principalmente) que se contenta em ter uma carteira assinada e trabalhar como empregado tendo estabilidade no emprego. Essa estabilidade é o preço de não correr o risco de ter sua autonomia é o “espírito escravo” que não tem sua liberdade, mas também está isento de usar sua liberdade.

Essa postura é herança da colonização, a aniquilação de se ver com capacidade para assumir a liderança em seu próprio País.

Ser protagonista da sua história, essa é sem dúvida uma forma fossilizada que está na matriz do pensamento de um povo que desde a sua origem conheceu a dominação espoliadora e opressiva. Aprendeu a ser explorado, por isso em sua maioria ainda é conformado com a situação de dominio imposto pelo sistema da globalização.

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*Trabalho parcial como pré-requisito para a graduação em  Ciências Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
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Referências Bibliográficas

GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina: Tradução de Galeano de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra, (estudos latino-americano, v.12) Do original em espanhol: Las venas abiertas da America Latina.
__________________. Programa Sangue Latino, do Canal Brasil, gravado em 2009.

http://www.youtube.com/watch?v=w8rOUoc_xKc
(acesso em 14/02/2012)
PINTO, Anibal. SUNKEL, Osvaldo. “Economistas Latino-Americanos nos Países Desenvolvidos”, Revista Civilização Brasileira, n° 8, Rio de Janeiro, 1966.

QUIJANO, Aníbal. Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina. Rev. Estud.av. vol.19 no.55 São Paulo Sept./Dec. 2005