Quando fui ferido.
Vi tudo mudar.
Vi tudo mudar.
Das verdades que eu sabia.
Só sobraram restos que eu não esqueci.
Toda aquela paz que eu tinha.
Eu que tinha tudo hoje estou mudo estou mudado.
A meia noite a meia luz pensando.
Daria tudo por um modo de esquecer.
(Música: Meu mundo e nada mais Cantor - Guilherme Arantes)
O poeta diz que “a verdade” que “sabia” mudou quando “foi ferido”. Ou seja, as verdades que entendemos como “verdade de conceitos” ou “fora da ação” como são definidas no positivismo de Augusto Comte ou na Teologia ortodoxa, é a verdade da “Razão”. Logo o homem deve “sacrificar o corpo” para viver essa “verdade”. Uma verdade que vem de fora e se impõe.
O poeta percebe que “a verdade” está entranhada no corpo, nas emoções, sensações. Reconhece: Vi tudo mudar das verdades que eu sabia”, ou seja, a verdade é “movimento”. Ele prossegue: Só sobraram “restos” que não conseguia esquecer. A paz depende sim das circunstâncias, não como diz o hino idealista cristão: “Não importa as circunstâncias”, essa é uma idéia positivista, idealista, que advoga uma “realidade extra-histórica” que não está conectada aos conflitos, contradições, vida e dores.
O poeta diz: “Eu que tinha tudo hoje estou mudo estou mudado”. Ora, que relação há em “ter tudo e após o ferimento estar mudo e mudado”? Essa é uma realidade que o religioso extremista experimenta, quando acha que tem a “verdade” e essa é sistematizada pela mente, extra-física, Ele “fala e defende em alta voz”, contudo, quando a vida o confronta com as “feridas”, o primeiro sintoma é “a ausência de Paz”. "Toda aquela paz que tinha". Agora resta a oportunidade de reconstruir a partir dos “restos que sobraram”.
O estado de “mudez” substitui as palavras. No silêncio da reflexão produzida pela dor, as incertezas são os absolutos do sábio, em contraposição, as certezas são as fortalezas do tolo. Hoje estou “Mudo e mudado”, um trocadilho gramatical que expressa mudança, as “certezas” produzem feridas, mas as “incertezas” são sintomas de quem é ferido”.
“A meia noite” é um arquétipo de “crise” período de transição, hora de silêncio, reflexão de quem não está dormindo pela ausência de sono, “meia luz pensando” nostalgia, ansiando a luz completa que outrora tinha antes de “ver tudo mudar”.
O poeta daria "tudo para esquecer", não o que acreditava antes do ferimento, mas o ferimento que lhe fez lembrar das suas “verdades”. Verdades que eram seu porto seguro, agora ele "daria tudo para esquecer". Esquecer que o maior destruidor de “verdades” são as “feridas”. Não as feridas que causamos, mas a que outros causam em nós. Esse é o momento de mudar o tempo do verbo: As verdades que "sei" tornam-se as verdades que "sabia”.