“Verdade ou Mito?” É muito comum ouvir essa frase.
Nessa pergunta, o mito é o oposto da verdade, por não poder ser comprovado, ou seja, algo que não está na esfera do concreto. O oposto do mito não é verdade, é mentira!
Verdade é aquilo que faz o homem viver numa dimensão que não viveria se não acreditasse nela.
A cultura ocidental não é mais rica com a “verdade” objetiva. A verdade do mito é a verdade que nos faz transcender, é verdade corporificada na existência humana.
Fernando pessoa em seu poema Ulisses, descreve muito bem essa verdade paradoxal que é o mito, definida erroneamente como não verdade ou mentira:
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar nas realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Ele começa o poema com um paradoxo, afirma e nega o que afirma simultaneamente, quebrando o primeiro principio da lógica, “logos”, que é “uma coisa é igual a si mesma e não pode ser diferente ao mesmo tempo”.
Fernando pessoa estaria mentindo, ser tivesse falando do principio estabelecido pela filosofia de Aristóteles de que: “uma coisa que é não pode não ser”.
O conceito que o ocidente tem de “verdade” tem origem na busca dos gregos pelo “Arché” (principio) aquilo que existe antes de tudo e é a causa de tudo.
Esse ser que “é”, foi um conceito desenvolvido na filosofia de Parmênides. O arché é imutável, todas as coisas mudam, mas esse permanece, pois é a causa de todas as coisas. Esse ser buscado na filosofia grega é a causa primaria das religiões monoteístas que chamam “Deus”!
Fernando pessoa não fala de uma verdade estática, pacifica a nossa mente em termos de lógica.
Ele fala sobre a verdade da fé, uma verdade subjetiva para quem está fora como observador, mas concreta para aquele que a vivencia.
Ele fala sobre a verdade da fé, uma verdade subjetiva para quem está fora como observador, mas concreta para aquele que a vivencia.
No primeiro verso do poema ele afirma que uma coisa é exatamente idêntica ao seu contrário “nada igual a tudo”.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo
O sol que abre os céus ele chama de “mito”, seu brilho é perceptível, mas ele é mudo, o sol não se expressa com palavras, mas é verdade que brilha, ainda que não emita nenhuma expressão sonora, é brilhante, é verdade...
Corpo morto de Deus... Vivo e desnudo? Se é corpo morto como pode ser vivo? Morto para o que não crê, mas vivo desnudo, para o que crê! Na dimensão de quem crê não há contradição, mas sim afirmação da fé.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
O poema de Fernando pessoa aborda o paradoxo, a mais expressiva verdade: “Por não ter vindo foi vindo”. Ele continua falando de Deus, que tem o corpo morto, vivo e desnudo não afirma a sua existência, mas que passa a existir: “Por não ter vindo”, ou seja, não importa que Deus não veio, mas que por não vir, “foi vindo”.
O efeito da fé foi acreditar que o que "foi vindo", nos Criou. Não é uma questão de verdade cientifica, mas verdade de fé, ou seja, por não vir, veio, e por que cremos que veio, cremos que nos criou.
No poema de Ulisses, o que importa é que a lenda entra na realidade e a fecunda, ou seja, a vida ganha significado. O sujeito é fecundado pelo objeto da crença, e a partir daí, decorre. A vida está sempre embaixo, precisa de algo maior para transcender no seu significado.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
O mito não é nada para quem não crê, esse vai achar contradição, mas para quem crê encontra significado no mito! Mesmo que a razão contradiga: “A lógica da não contradição!”.
Metade
De nada, morre.
O mito é o tudo que é nada. Para quem crê, o mito é tudo, para quem não crê o mito é nada. No mito se crê como o tudo, ou se crê como nada. Não pode existir metade para quem crê que o mito é tudo, e não existe metade para quem crê que o mito é nada.
O mito é verdade para quem crê, é tudo.
A verdade para quem não crê é metade de nada... é a aniquilação da existência, é morte.
A verdade para quem não crê é metade de nada... é a aniquilação da existência, é morte.