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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Culpa: o desamparo do homem na Teologia Cristã.


A explicação do totemismo para a origem da culpa, na humanidade de que a morte do Pai da horda reflete no inconsciente racial e cria o contínuo sentimento de culpa, adota a hipótese de que os israelitas mataram Moisés e que essa morte é a repetição da morte do pai primitivo, “Esta morte fez o grande crime real para os israelitas, se bem que, permanecendo profundamente sepultado no inconsciente racial, aumentou o sentimento de culpa, que continuou a perseguir os filhos de Israel”[1]

A teoria da origem da culpa na psicanálise como sendo “a desobediência do filho e a sua afeição pelo pai, até a conspiração para a sua morte”, tem a sua conclusão de que a infelicidade do homem veio pela culpa da morte do pai. Dando continuidade a esse raciocínio, Freud concluiu que a doutrina do pecado original se tornou chave na igreja primitiva, devido simbolizar o nível inconsciente, o assassinato do pai da horda primitiva. A salvação do pecado original só pode ser alcançada através de uma morte expiatória, por isso ele conclui:

“A doutrina principal é a reconciliação com Deus Pai, a expiação do crime contra ele; mas o outro lado da relação se manifesta no Filho que tomou sobre sí a culpa, tornando-se Deus ao lado do Pai, o cristianismo torna-se uma religião do filho. Não pôde escapar ao fato de destruir o Pai de suas funções”.[2]

Na teologia Cristã quem mais perdeu foi o “filho”, pois surge o sentimento de forma negativa o “medo” [3], no entanto o relato da história é que o Pai, busca a comunhão perdida com o filho, (homem) e culmina com a redenção através do seu Único Filho, (unigênito), que veio restabelecer a paz que havia sido rompida com o ato de desobediência do primeiro homem. “Vindo à plenitude do tempo Deus enviou o seu único filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”. [4]

A teologia cristã é a única que apresenta a ressurreição como ápice final na conclusão do processo redentivo do homem. È interessante que no totemismo freudiano, a culpa dificilmente será redimida pela humanidade, pois o que poderá ela fazer para eliminar esse complexo? O simbolismo da psicanálise de que o filho matou o pai, fala da culpa que agora ele terá de conviver, no entanto não há solução em como se livrar da culpa.

A teologia cristã admite certa “morte”, do homem através da separação do seu criador (pai), foi essa a advertência feita ao homem (filho): “E o SENHOR Deus lhe deu essa ordem: de toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. [5]

Embora haja paralelo no relato bíblico da criação de que a “morte” do pai pelo filho, causado pelo desejo do filho em ter algo que o pai tinha, “Ser igual a Deus, (pai) obtendo através de comer o fruto da arvore da ciência do bem e do mal”. Há um fator que no cristianismo difere, a advertência feita pelo pai como um fator que preservaria a vida do homem (filho), e não no egoísmo do Pai em ter para si algo que despertou cobiça e revolta no filho.

A cobiça é comum nas duas narrações, tanto do relato totêmico quanto da criação, no entanto as motivações do pai, é que diferem, pois enquanto o pai, na psicanálise se mostra egoísta, o da criação se mostra altruísta. Enquanto a “morte” é o ponto comum entre os dois, como único meio para que o homem (filho) obtenha o seu objeto de desejo, as intenções diferem. Qual seria então a proposta para que o homem se livre dessa culpa?

Na psicogênese da religião segundo a psicanálise, o estado de culpa que o homem vive é o que produz a necessidade da religião, e que o amadurecimento transportará o homem da fase da infância para a fase adulta, e a maturidade extinguira a religião, por essa se fazer necessária devido à infantilidade do homem, tanto individual, quanto coletiva, se tratando da humanidade, os conflitos infantis têm duplo sentido; sobre essa teoria comenta o teólogo católico Hans Kung:

“Conflitos infantis tem duplo sentido: da infância do individuo humano e da infância da espécie humana; conflitos, portanto, já dos primeiros tempos da humanidade, pois a infância do individuo é na verdade uma imagem da infância da humanidade, a ontogênese do indivíduo humano é uma reprodução da filogênese da espécie humana! Em ambos os casos a raiz das necessidades religiosas é o desejo pelo pai, em ambos os casos o papel central é representado pelo complexo de Édipo”.[6]

Nos tempos em que essa teoria foi elaborada, havia uma perspectiva positiva quanto a essa maturidade como uma formula para que o homem ficasse livre de suas neuroses, no entanto, os tempos têm mostrado que a religiosidade no homem é um fenômeno universal, e nem a pós-modernidade tem livrado o homem dessa inquietação, dessa “infantilidade”.

O homem continua tão neurótico quanto nos tempos que foi elaborada essa teoria, o cristianismo parte do pressuposto que o homem é um ser espiritual, como criatura tem a Imago Dei (Imagem de Deus), e somente com uma re-ligação entre ela e o criador, dará a liberdade do Ser, como livre da neurose, isso porque “Há um vazio profundo, um buraco imenso dentro do seu ser, suscitando questões como gratuidade e espiritualidade, futuro da vida e do sistema terra. Esse buraco existencial é do tamanho de Deus, por isso só Deus é capaz de preenchê-lo”.[7]

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Notas
[1] Rosa Merval. Psicologia da Religião. Ed. JUERP. 1979. p. 62
[2] Idem.
[3] Gênesis 3:8 Narra que o sentimento de afastar-se do pai, produziu insegurança, mais tarde Freud, faz mais uma correlação com a teoria do estado de infância da religião, como um processo de infantilidade da raça humana, que posteriormente com a maturidade perderá todo o sentido de existir.
[4] Gálatas 4:4.
[5] Gênesis 2 16-17
[6] Hans Kung. Freud e a Questão da religião. Ed. Verus. 2006.p. 41
[7] Leonardo Boff. Espiritualidade - Um caminho de transformação. Rio de Janeiro. Ed. Sextante 2001 p.12

domingo, 27 de dezembro de 2009

O estado emocional como bloqueio para o processo cognitivo



A natureza do conhecimento: pensamento, sentimento, ação. “Todo processo cognitivo partira da emoção dominante”, essa, traz a seguinte epistemologia: “A emoção irá determinar o processo de aprendizado, de forma que aquilo que a pessoa poderá vir a aprender dependerá da emoção dominante em relação, a ela". (Pichón Riviere).

A teoria de Pichón, não define sobre a causa primaria entre pensamento, sentimento, porém a teologia Cristã da mais ênfase à ação, com produtora dos sentimentos, e os pensamentos como inicio de toda a ação. Mesmo porque para grande parte, o cristianismo é semelhante a uma religião com leis para se cumprir, de forma que a pessoa ao procurar para um aconselhamento, deduz-se que transgrediu uma “lei”, contraria a sua consciência.

A percepção cognitiva dependerá do estado emocional da pessoa com quem está se relacionando, a aprendizagem é afetada de acordo com o estado emocional do ouvinte, e que para que haja uma boa percepção é necessário que haja um desbloqueio

Na teologia do novo testamento há uma passagem onde Jesus faz um desbloqueio emocional para transmitir a mensagem do reino de Deus, pois quando os conceitos estão impregnados na mente do ouvinte dificilmente a mente absorverá a mensagem, pois o emocional bloqueia o cognitivo, vejamos um exemplo de como Jesus fez esse desbloqueio, para que a sua mensagem fosse entendida pelos seus ouvintes:

“Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os seus discípulos com fome, entraram a colher espigas e a comer.
Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado.
Mas Jesus lhes disse: Não lestes o que fez Davi quando ele e seus companheiros tiveram fome?
Como entrou na casa de Deus, e comeram os pães da proposição, os quais não lhes era lícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam mas exclusivamente aos sacerdotes?
Ou não lestes na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? Pois eu vos digo:
Aqui está que é maior que o templo.
Mas m se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes.
Porque o Filho do Homem é Senhor do sábado”.[1]

Esse texto mostra o quanto o cognitivo influência na percepção do aprendizado, bloqueando totalmente o entendimento, pois o “dia”, tornou-se mais sagrado do que o “ser humano”, e os mandamentos mais importantes que a manutenção da vida.

Os discípulos estavam com fome, uma necessidade básica para a manutenção da vida, mas o mandamento de guardar o sábado tornou-se tão “absoluto”, que não poderia ser “Relativizado”, ainda que estivesse em detrimento a própria vida. “Seis dias trabalharás, mas no sétimo dia, descasarás, quer na aradura, quer na sega”. [2]

È interessante que Deus não absolutizou a lei, por saber que as circunstâncias são variáveis, o sacerdote Aimeleque fez algo contrário ao instituído na lei: “Deu - lhe, pois o sacerdote o pão sagrado, porquanto não havia ali outro, senão os pães da proposição, que se tiraram de diante do Senhor, quando trocados, no devido dia, por pão quente”. [3]

Esse texto era conhecido dos fariseus, mas porque será que mesmo lendo não conseguiam compreender, esse principio absoluto: “A vida é mais importante que a lei, e que a lei, não abrangia todas as variáveis circunstanciais”.

Jesus estava tentando desbloquear o “cognitivo”, pois a mente deles estava saturada do “medo” de quebrar a lei, e isso fazia com que mesmo lendo não conseguisse interpretar o que lia. Ele foi mais além e disse que até mesmo os sacerdotes, os maiores responsáveis pela manutenção do cumprimento da lei, a violavam e ficavam sem punição, quando as circunstâncias exigiam:

“No dia de sábado, oferecerás dois cordeiros de um ano, sem defeito, e duas décimas de um efa de flor de farinha, amassada com azeite, em oferta de manjares, e a sua libação; é holocausto de cada sábado, além do holocausto contínuo e a sua libação”. [4].

A religião na sua expressão é propensa a causar esse bloqueio, levando o religioso ao fanatismo, pois a irracionalidade provém do excesso da valorização dos dogmas, em detrimento do humano, se existe religião boa é aquela que valoriza a vida, acima dos dogmas pois esses tem a função de explicitar a fé, e não ser um fim em si mesmo.

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Notas
[1] Mateus 12:1-8
[2] Êxodo 34:21
[3] I Samuel 21: 5
[4] Números 28: 9-10

Freud: No divã do Evangelho!


Freud em suas experiências clinica observou que a motivação do homem, “é o programa do principio do prazer, este programa domina operação do aparato mental desde o início (...) este programa está condenado ao fracasso, está em contradição com o mundo todo, tanto o macrocosmo – a natureza – quanto o microcosmo – a civilização” [1]

Não há como contestar essa verdade, o homem busca a sua satisfação, o que realmente o move é à busca da felicidade, e as leis que regulam o universo, parecem conspirar contra a realização humana.

Essa teoria afirma implicitamente que há uma desordem, e que em algum momento foi instalado o caos, é a conclusão da psicanálise e da teologia cristã. No entanto é passiva de discordância a conclusão: “Sinto inclinado-me a dizer, que a intenção de que o homem fosse “feliz” não está incluída no plano da “Criação”. (Freud)

Esse argumento com destaque para as palavras: “feliz”, e “criação”, certamente, tem uma ponta de ironia, visto que extraindo essas frases de qualquer religião aderente a teoria criacionista, aniquilará qualquer sentido de sua existência.

A teologia cristã parte do pressuposto que o universo fez o caminho da ordem para a desordem, e que essa se instalou quando o homem quebrou o seu relacionamento com o criador. Não havia conflito entre a natureza e o homem, no principio havia harmonia, mas a ruptura quando esse resolve por si ser o seu “Deus”. [2]. Depois dessa opção o homem confessa sentir medo ao ouvir a voz daquele que sempre falou com ele, esse é o “desamparo”, ele saí do “absoluto” de Deus para o “relativo”, do conhecimento do bem e do mal.

A teoria da teologia, de que a desordem é o efeito, também é admitido pela psicanálise o desarranjo, o homem tenta dominar a natureza entrando em conflito constante entre prazer x realidade, enquanto a teologia tem a teoria do “pecado”.

Qual seria a teoria da psicanálise para esse antagonismo? Visto que no universo esse fenômeno só é encontrado no homem que é impulsionado pela busca do prazer, mas enfrenta a oposição dos fatos que estão ao seu redor, se opondo a tal aspiração!

A esse dilema segue a explicação: “Na ocasião em que se deu o desenvolvimento do senso da realidade, a imaginação ficou isenta das exigências do teste da realidade, e foi separada para o propósito de realizar os desejos que não podiam ser realizar com facilidade” [3]

A razão alegada é denominada “instintos”, e esses são os que determinam o comportamento emocional do homem, no entanto a causa primaria é desconhecida, nesse ponto a psicanálise nos convida a “ter fé”, visto que os “instintos” são inacessíveis à experiência.

Embora acredite no principio do prazer & realidade, assim com também que os “instintos” devem ser dominados, a teologia não apresenta uma solução imediata, mas sim um paradoxo, pois crê que o domínio dos instintos além de preservar a sociedade, torna o homem mais próximo da condição original em que foi criado, embora admita que haja uma luta dentro dele, que é “a luta da carne” (prazer) contra o “Espírito” (realidade), esses se opõem mutuamente, para que não realize o que quer, assim expressa o apóstolo Paulo:

“Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, mas sim o que detesto. Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei que é boa. Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer está em mim; não, porém o efetuá-lo”. [4]

Na teologia Cristã, esse conflito vivido pelo apóstolo Paulo é a condição de toda a humanidade, embora nem todos possuam essa consciência de “afastamento de uma condição original”, a sociedade vive em luta para reprimir os seus instintos que a teologia cristã chama de “obras da carne”. [5]

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Notas
[1] Alves Rubem. O suspiro dos oprimidos. São Paulo. Ed. Paulus 1999. p. 78
[2]Gênesis 3:10. Ao ser procurado por Deus o homem pela primeira vez “se esconde”, e confessar ter sentido medo.
[3] W.W. Norton & Co. Nova York 1962. Op. Cit. Rubem. Alves O suspiro dos oprimidos. 1993. Ed. Paulus. p.78
[4] Romanos 7: 14 - 18
[5] Gálatas 5: 19-21

Freud: No divã do Evangelho! Parte II


A repressão do instinto na teologia Cristã é a forma do homem voltar em parte, ao estado original da criação, e isso só poderá ocorrer se não deixar-se dominar pelo principio do prazer, e encontrar mais prazer no principio de dominar-se, ajustando ao principio da realidade.

Qual a cura para a neurose? Essa pergunta só pode ter uma resposta parcial e a psicanálise apresenta a sua teoria: “o reconhecimento de que é inevitável reprimir os instintos, eliminando os excessos impostos pelo superego, o caminho não é aliviar o superego em favor do principio do prazer, mas para o bem da civilização”.

E aqui precisamos corrigir uma injustiça de alguns segmentos da teologia Cristã a Freud, que embora fosse contra a religião, certamente pelo contexto em que viveu, era mais anti-religioso na “fala das teorias” do que no sentido “pratico”, para ele os instintos deveriam ser reprimidos, não com excessiva rigidez, mas o suficiente para preservar a civilização.

A fase religiosa como o penúltimo estágio antes do cientifico, onde o homem atingirá a maturidade, trará a vitória de conquistar domínio sobre o principio do prazer, a realidade o levará para o mundo exterior na busca dos seus objetos de desejos. Esse é o desejo de libertação do homem, que dessa forma teria uma espécie de “retorno ao Jardim do Éden”.

A partir da conclusão da evolução da humanidade podemos inferir que o elemento da esperança futura é a “fé”, e por mais “consciente” da sua razão, a psicanálise “inconsciente” admite que assim como a teologia, ela também “crê no absurdo”, que um dia na “maturidade” o homem eliminará o conflito, entre o prazer & realidade.

A teologia também crê, mas não a “conciliação entre os dois”, e sim a restauração da ordem de todas as coisas, como foi um dia no principio da criação [1]. A cerca da do absurdo da fé religiosa, comenta Rubem Alves:

“A esperança religiosa de um novo céu se resolveria com o advento de uma nova terra. Não há nenhuma heresia nisto. Até mesmo a Bíblia concorda. No Paraíso e na Nova Jerusalém não há templos. Marx percebeu este fato claramente ao afirmar que a religião desapareceria com o advento de uma sociedade justa. Ele não poderia esconder o inconsciente hebraico-cristão que o formou. Entretanto, o que separa os dois, a Bíblia de Marx, é que a Bíblia não vê, dentro dos limites da história, nenhuma possibilidade de um evento pelo qual o homem se redimiria a si mesmo. È isto que a igreja cristã, talvez de forma inconsciente, preservou através do símbolo do pecado original. Marx não pode resistir ao fascínio de uma visão utópica (no sentido preciso que o marxismo dá a palavra), enquanto para a Bíblia a esperança da Nova Jerusalém permanece como um horizonte. Do seu principio até o seu fim a história é uma sucessão de sintomas de uma enfermidade incurável”. [2]

Que proposta tem a teologia Cristã para o ateísmo professo de Marx, que tinha uma fé inconsciente, na utopia, de um fim de conflito entre o homem e a injustiça social? A teologia Cristã crê que o homem que adota o modelo de Cristo através do evangelho, já nesse sistema, apresenta os princípios para a realização dessa utopia: “uma sociedade justa”.

Jesus estabeleceu a base paradigmática do conceito de liderança para a sociedade que pretende ser justa: “Os reis das nações dominam sobre elas, e os que exercem autoridade sobre elas são chamados. Mas vocês não serão assim. Ao contrário, o maior entre vocês deverá ser como o mais jovem, e aquele que governa como o que serve”. [3]

A psicanálise também espera uma “utopia”, num determinado tempo o homem vencerá o conflito que gera a neurose, isso ocorrerá quando o principio da realidade subjugar o principio do prazer!

A solução para os conflitos na teoria da psicanálise, é também um tempo futuro, uma “Fé” inconsciente. Essa fé para o Cristão é mais “explicita”, pois o alvo do cristão também é “alcançar a unidade da fé e do conhecimento do filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” [4]

Para o cristianismo Jesus é aquele que conseguiu dominar o principio do prazer, através do maior senso de realidade já experimentado por um homem, somente a divindade encarnada poderia dominar tão grande conflito.

“Aquele que é a palavra que se fez carne e habitou entre nós. (...) Embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu, e uma vez aperfeiçoado, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos os que lhe obedecem”. [5]

Se em última análise todos crêem em utopia, até o criador da teoria do “inconsciente”, inconscientemente cria, viva a “utopia”.



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Notas
[1] Alves Rubem. O suspiro dos oprimidos. São Paulo. Ed. Paulus 1999. p. 78
[2] Gênesis 3:10. Ao ser procurado por Deus o homem pela primeira vez “se esconde”, e confessar ter sentido medo.
[3] W.W. Norton & Co. Nova York 1962. Op. Cit. Rubem. Alves O suspiro dos oprimidos. 1993. Ed. Paulus. p.78
[4] Romanos 7: 14 - 18
[5] Gálatas 5: 19-21
[6] Romanos 7: 14 - 18
[7] Apocalipse 21:1-4. Narra à restauração do caos em que se encontra o sistema, um novo céu e nova terra, onde a dor será extinta e a morte será eliminada.
[8] Alves Rubem. O suspiro dos oprimidos. São Paulo. Ed. Paulus 1993. p. 100
[9] Lucas 22: 25-26, A tradução Almeida revista e atualizada traduziu “jovem”, por “menor”, contrastando com “maior”, sobre o conceito de governar.
[10] Efésios 4:13
[11] Hebreus 5:8-9 (Nova versão internacional)

sábado, 26 de dezembro de 2009

Metamorfose... A morte das formas como meta para a vida!


Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Raul Seixas

Houve um tempo em que eu era critico feroz das músicas do Raul Seixas, e ainda continuo, mas agora vejo no conteúdo revelações sobre uma “antropologia existencial”. Acho que no processo de viver, também me reconheço como uma “metamorfose ambulante”, visto que a vida do ser humano consiste em constantes “mortes de formas” no caminhar da existência.

Se não fosse esse dinamismo de “morrer as formas”, extinguiria a raça, a beleza da humanidade está em que na “morte das formas”, preserva-se a vida. È nisso que persiste a existência humana, uma verdadeira “meta-morfose”, uma forma que está para além dele mesmo, está sempre em construção o que contraria praticamente o pensamento ocidental que tem sua gênese na filosofia “socrático-platonica-Aristotélica”.

O conteúdo da letra dessa música mostra que a cristalização do pensamento da chamada “verdade meta-física”, o “ideal” platônico, é arqui-“inimiga” da vida, pois essa, é uma “construção em movimento”, é a partir do trágico, que a vida ganha impulso, o desamparo do homem diante a imensidão do universo, empurra-o na busca de uma “segurança”.

Da insignificância nasce o desejo de “Transcendência” que imerge como uma necessidade de continuidade da existência! Esse desejo anseia por uma verdade “formada”, mas essa nas contingências da vida precisa perder a “forma”, é preciso então ter coragem para re-ver as opiniões que se tinha ontem, aceitar a contra-“adição”, o paradoxo da vida, afinal a lógica não vem da vida, mas da imposição da razão sobre o livre curso da natureza.

A razão não é natural, é uma imposição, uma forma de manter a existência dentro de limites, pois esses impedem do homem se diluir, mas essa razão que impões limites para preservação da vida, deve perceber que há tempo de “perder a razão”, a cristalização da razão congelada, elimina a riqueza do devir [1].

Dai Heráclito dizer:

“O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio, porque o homem de ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo do hoje".

Acho que Nietsche tinha razão: “Toda vida se alimenta de outra vida”. Para se manter viva, a vida alimenta-se de outra vida, e dela própria, pois viver implica em constantemente morrer, a morte é o alimento da vida.

Interessante... “A ceia do cristão é alimentar-se do corpo de quem morreu”, pela morte do corpo, a vida torna-se alimento para os que vivem...
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[1] Devir é um conceito filosófico que qualifica a mudança constante, a perenidade de algo ou alguém.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Mito como expressão da fé.

A razão cientifica da modernidade tirou o assombro do mito, agora tudo que é verdade tem que ser cientificamente provado, mas a fé deve estar mais próxima do mito ou do logos? Tanto “mythos”, quanto “logos” significa palavra.

Os gregos da idade clássica, em Platão, separaram o “mythos” que é a palavra transmitida por via oral do “logos” diferenciando-a como a expressão do pensamento ou a exteriorização do pensamento que emana de dentro da mente do indivíduo, transformou-se no discurso racional, lógica!

Mythos é aceito sem questionamentos, faz parte das crenças e da cultura do povo, já o “Logos”, é a expressão do pensamento por isso passível de ser questionado, testado, no tribunal do pré-conceito pela lei da razão, tendo a lógica como juiz, e a não contradição com júri, condenar ou absolver a expressão!

O Evangelho segundo João começa dizendo que no principio era o “logos” que estava com Deus e era Deus. Não poderia ele dizer que no principio era o “Mithos”? Visto que o mito não exige lógica, e sim expressa à fé? Imagine ele dizendo que “O mito se fez carne”!Tornou se o caminho a verdade e a vida, pois o “logos” exige verdade, e a verdade tem a ver com a vida!

A verdade no mito, nada tem a ver com a lógica e sim com o paradoxo, o assombro, as contradições, por isso o “Logos”, na carne se tornou “mitos”, e ao se tornar carne, aceita não lógica da vida, por isso a verdade não é um conceito universal para todos, a verdade do mito aceita contradição, e apesar delas, sustenta a fé.

A fé não precisa temer o mito, mas sim o logos, esse sim deve ser temido, pois quem nele se firma precisa das muletas, da razão. O mito carrega nas suas entranhas a fé, oferece caminho para as potencialidades da vida, do que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente, expressa o que a razão não decodifica, pois verbaliza as mais profundas aspirações do homem.

Mito “é a invocação daquilo que nomeia”, seja os deuses seja os heróis, eles estão presentes de modo que “enunciar o mito implica sair do mundo dos fenômenos naturais, para entrar numa outra dimensão numa outra temporalidade, numa outra experiência que sacraliza o tempo e o espaço”.

O Logos que se fez carne é mito?... E daí? Esse mito não é verdade para quem quer ver o logos na carne, mas quem não vê na carne o logos, crê que o “mito” se fez carne, e é a verdade daquele que crê!

Nietsche e o Super-homem

O que há de errado com crer no paraíso, que virá? Nada! Pois diante do terror do “não existir”, manifesta-se a solução,  crer na transcendência! Alguém tem que pelo menos tentar explicar como vamos dar continuidade à vida, afinal todos concordam que o homem não concorda em deixar de existir!

Mas o erro está em que ao crer nesse “paraíso futuro”, exime-se do presente, uma espécie de fuga castradora do potencial humano, a anulação do devir, da transformação pelo desejo da imutabilidade, a cristalização do “ideal”!

Com o surgimento da modernidade, Nietsche anuncia a “Morte de Deus”. Mal compreendido por muitos críticos que pensam que ele falava da aniquilação da fé, mas o que ele quis dizer foi que “Quando a ciência nasce à religião perde o valor”.

Para ele quem mata Deus é o homem cientista, antes eu rezava, mas agora vou ao médico. Não e pensar que "Deus" não exista, mas o deixar para o segundo plano. Esse seria o Niilismo reativo: “Reago a Deus e no trono de Deus eu coloco o cientista”.

Para Nietche “A verdade não é produto da curiosidade humana em descobrir o que as coisas são, é produto do nosso medo da morte. “A verdade e uma necessidade psicológica de duração”, por não sermos capazes de lidar com a vida como ela é. Não nos sentimos fortes o suficiente para afirmar a vida como ela é então construímos a idéia de verdade”.

A resposta de Nietzsche para o niilismo é a busca para a superação do homem no presente, dia após dia, está em concordância com a essência da fé cristã, pois para ele o “Super-homem é aquele que parte da afirmação da morte, inventa a si mesmo, ao invés de aceitar o modelo pré-estabelecido”.

Super-homem é esse que tem coragem de lidar a cada segundo da sua vida com os conflitos, paradoxos e contradições através da escolha. Existe uma diferença entre liberdade e livre arbítrio, no livre arbítrio existe uma série de possibilidades de escolhas, mas essa série é pré-dada. Sendo assim, a liberdade consiste no máximo como “possibilidade do livre arbítrio”. Enquanto que na liberdade: “inventamos nossas próprias possibilidades” em cada situação, com a consciência de que há: “um instante supremo e nesse, nosso gesto determina”. Esse é o Homem que se supera, que se inventa no presente.

Para Nietsche, organizar a vida a partir de dar significado mostra o “ressentimento”, do homem, para ele o ideal é viver a vida despencando no abismo dançando, mas o que ocorre é despencar gritando, ou para não gritar “criar sentido na transcendência”.

A religião é produtora fantasias para dar significado ao vazio que o homem está caindo, por isso: “a humanidade inventa o significado”. No entanto todos estão “despencando”, não importa se gritando ou sem gritar.

Acho que a transcendência nos ajuda a gritar menos, até mesmo a dançarmos enquanto despencamos...

A Luta da razão no domínio dos desejos.

Enquanto você se esforça prá ser,
Um sujeito normal,
E fazer tudo igual.
Eu do meu lado, aprendendo a ser louco.
Um maluco total, na loucura real.
Controlando a minha maluquez,
Misturada com minha lucidez
Vou ficar, ficar com certeza, maluco beleza.
Este caminho que eu mesmo escolhi.
É tão fácil seguir, por não ter onde ir.
Controlando a minha maluquez,
Misturada com minha lucidez.
Vou ficar,
Ficar com certeza, maluco beleza. Eu vou ficar...
Raul Seixas

Há uma riqueza antropo-filosófica, altamente contextualizada sobre a condição humana, na letra dessa música: “Enquanto você se esforça prá ser, um sujeito normal”.

Acredito que o compositor tinha conhecimento de antropologia muito contextualizado, pois ele desconstrói uma premissa da cultura ocidental. “A razão como imposição na construção de uma sociedade normal”.

A premissa de que a razão é superior ao sensível do corpo, na realidade tem sua ontologia no ocidente, afinal se ser “normal”, exige esforço, para a “repressão dos instintos”, ou, como diria Spinoza dos “Afetos”, logo os normais “são anormais”, neuróticos que na supressão dos afetos fingem ser normais, e os normais são os que manifestam os seus afetos, visto que esses estão seguindo o curso normal da vida! Sendo assim são os “normais” que são anormais, fingindo uma normalidade, que não reflete a realidade da constituição humana.

Isso quer dizer que o homem deveria dar vazão aos seus instintos para não serem neuróticos? A resposta é não! As regras tiveram a sua gênese na cultura, servem para limitar a irracionalidade humana, para a sua não destruição, mas a critica é achar que a “normalidade do geral”, pode padronizar o individual, o problema é a rotulação contra aqueles que no esforço para ser “normal”, não conseguem “fazer tudo igual”.

O surgimento da cultura serviu para por limites ao homem, mas essa cultura que limita também neurotiza, pois os desejos recalcados causam uma anti-vida no homem, a supressão dos desejos  é uma conspiração para a vida natural do homem que é a única vida que realmente se expressa.

A filosofia do “ideal”, platônico, para além do corpo, é um desejo para o perfeito que existe "além de", mas toda vida que anseia pelo que transcende, se expressa em forma de ritos, o sagrado, é viver na dimensão daquilo que "está além de"; ai isso denomina-se fé.

A “razão não pode ser a medida de todas as coisas”, pois ela é uma construção de "pré-missas" já concebidas! A fé antecede a razão, pois no momento que a razão explica o objeto da fé, a fé torna-se ciência, deixa de ser fé!

O compositor entendia que o ser humano vivia numa linha tênue: “Controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez”, ele entendia a ontologia da sobreposição da razão sobre os desejos, isso porque os valores aceitos como universais foram sempre constituídos por “pessoas singulares”, que fizeram da sua própria “singularidade” critérios universais, ao definirem o bom para si, instituíram como valor universal, pensava-se “tem que ser aplicado a todos os homens”, mas havia um inimigo “o corpo”.

O “ideal” da filosofia platônica, passado para o cristianismo teve sua gênese, na busca do “bem ideal” que nascia na teoria do “individuo” de determinava o que é o “bem e o mal”, uma vez definido iria impor a aplicação no “coletivo”, achando-se que o que era o “bem” para um seria o “bem” para todos.

Esse “bem ideal” era eficiente na sua elaboração, mas ao chegar à vida que acima de tudo é dinâmica e não estática como base a filosofia na “lei da não contradição”, encontrava no corpo a “contradição”, como oposição, “bem não poderia ser aplicado em todos”, se pensou que a falha estava no “corpo”, que sendo matéria conspirava contra a “alma”, mas o erro é que toda teoria nasce de uma pessoa e essa é “singular” e não se pode normatizar uma experiência individual transpondo-a para geral.

Nas religiões o pecado se deve a “carne” e a “culpa”, pelo fato do individuo não conseguir cumprir a moral da “razão” isso porque o homem nasce pecador, impossibilitando-o atingir o bem universalizado embora a “idéia”, meta-física, (alma-espírito) tem na física (carne-corpo) o seu adversário!

O problema é o corpo, a alma deseja o “ideal”, por isso o compositor tem razão: “Controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez. Vou ficar, ficar com certeza, maluco beleza”.

Controlar a maluquez significa que ele vai se esforçar para dominar o corpo, os afetos, dentro do que a sociedade herdou como “normal”, não iria ficar somente na “lucidez” (razão) ele ia misturar, com a “não razão”, que ele chama de “maluquez”, expressão natural dos afetos, não sei se o compositor sabia que dessa mistura... nasceu a arte!